domingo, 19 de agosto de 2012

Movimentos Simulados

- Bom dia.
- Olá.
- Dia bonito não?
- Como bonito ? chove, faz frio.
- Gosto mais de dias assim. São mais sinceros.
- Não acho.
- Ora, eu acho.
- Babaca.
-  Não gosta de lembranças? Dias assim são bons para lembrar.
- De que?
- De tudo.
- Lembro do meu gato, ou dos homens tirando um samba na tarde de domingo no parque da luz...
- Homens ?
- Um negro, camisa de lim cor de abóbora. Dizia que no nordeste era melhor, o samba...
- Entendo.
- Acha que é melhor?
- O que?
- O samba.
- Não.
- Ora, não seja tolo...
- Ás vezes nem tanto.
- Cale-se, ou mudemos de assunto.
- Desculpe.
- Porque?
- Nada, só para desculpar.
- Desculpo.
- Muito bem.
- Ora, sua mão estava fria.
- Faz parte.
- De que?
- Do fluxo das coisas.
- Desculpe-me, não entendi.
- As coisas vivem, depois esfriam, então se vão.
- O senhor se vai?
- Daqui a pouco.
- Que horas são?
- Não importa mais.
- Aonde vai?
- Aonde preciso ir.
- Pode me dizer?
-  Não tem graça se eu dizer... Uma hora voce irá tambem.
- Irei?
- Sabe, eu já senti falta de conversar com você.
- Não te conheço, não sei nada sobre você, e nem você sobre mim. Não pode sentir falta, de uma coisa que nunca foi sua.
- Eu senti e sinto.
- Ora...
- Surpresa?
- Com o que?
- Como a vida te surpreendeu...
- Isso, eu e voce, não é nada além de banal.
- Mas sei que voce vai lembrar.
- Não acho que vá.
- Olhe, ja está tarde.
- Já vai?
- Não, ainda não escureceu.
- Estranho...
- Concordo.
- Quer um cigarro ?
- Voce não deveria fumar.
- Fumo, porque não a o que ser feito.
- Fumar não apagara lembranças.
- Não fale de lembranças.
- Tudo bem, fume.
-Quem me faz mal são as pessoas, cigarros são consolos.
- Vida dificil...
- Impossivel.
- Por isso está aqui fumando uns cigarros, converssando com alguem que nunca viu, as 5 horas da tarde de uma quarta feira. O que te trouxe a isso?
- Não sei.
- Não é o que parece.
- Parece que sim . Voce é bom pra mim.
- Isso não significa nada.
- Tem razão.
- Tola.
- O que faria se soubesse que tem um minuto de vida?
- Já não resta muito tempo.
- O que disse?
- Voce ouviu, não se faça de tola.
- Bem, o que fara então?
- O mesmo que estou fazendo agora. Não me parece, que há possibilidade mais satisfatoria de fazer algo, que não seja exatamente aqui, nesse banco, vendo voce fumar. Nada, ao meu ver, é mais pleno que isso.
- Não diga bobagens.
- Nunca digo bobagens.
- Ta frio... Olhe as crianças.
- O que tem ?
- Elas brincam. Faz tempo que eu não brinco.
- Faz parte, voce cresceu.
- Não me parece muito bom isso.
- Não é.
- Mas eu encaro bem.
- Estou vendo.
- Sarcasmo?
- Talvez.
- Voce deve ir embora.
- Talvez eu devesse.
- Então vá.
- Promete?
- O que ?
- Que não ira esquecer?
- De voce?
- De suas lembranças.
- Voce não faz parte delas.
- Tanto faz, lembre-se nos dias frios, principalmente.
- Não me resta muito tempo também...
- A nenhum de nós resta.
- Voce não faz ideia...
- Não.
- Pare.
- De que ?
- De concordar.
- Não concordo. Mas eu sei que as coisas são como tem que ser.
- Voce nunca diz nada com nada.
- Tem razão.
- Irritante, vá embora.
- Adeus.
- Não.
- Preciso.
- Eu prometo.
- Ira se lembrar ?
- Sim para o resto da minha vida.

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