terça-feira, 18 de setembro de 2012

Ninguém reparou ( tema : unidade)

Saia com uma maleta enorme do hospital da clinicas. Não tinha os dois dentes da frente, e eu queria adivinhar porque. Era estranho defini-lo, porque andava apressado, com a expressão contorcida em leve careta de desaprovação. Sua cabeça calva, com os cabelos laterais brancos, reluzia com a abafada luz do crepúsculo da rua Doutor Arnaldo. 
Não era ocasião, de ir ao hospital de terno preto de riscas cinzas, de sapatos brilhantes e recém engraxados, e de gravata. Perfeitamente laçada. E vermelha. Ainda mais com anéis. Sim anéis de ouro no dedo anelar e mindinho, com duas pedras estanhas, terrivelmente exageradas. Pareciam saltar de seus dedos, de forma perturbadora, doentia. Como nos filmes de terror.
As pernas se confundiam, em passadas largas, era como se tropeçasse em seus próprios pés, talvez pela rapidez que ele tentava andar, talvez simplesmente por alguma doença. Doença? Claro que essa hipótese, precisa ser levada em consideração, afinal ele saia de um hospital. Sem os dentes da frente, de maleta. Poderia ser o seu histórico. 
Mas não era doença, e eu sabia que não. Tinha alguma coisa, tudo dizia que havia. Os anéis, o terno, a maleta, a face amarga. Ninguém olhava, passavam correndo.
No meio de minhas divagações, de minhas controvérsias, ele caiu. Caiu de forma rápida, desajeitada. A maleta bateu no chão em som abafado, quase mudo. Mas não se abriu. E ele ficou, por alguns segundos, imóvel, com as pernas tensas, os dedos das mãos, em espasmos. Como um enfermo.  Mas não ia morrer. Nem sequer podia me convencer que de fato estava doente. Levantou-se de repente, e contemplou a Rua Doutor Arnaldo. A feira de flores, em frente ao hospital, a costumeira agitação dos carros que rasgavam o asfalto, a negra vendedora de frutas que gritava incansavelmente com sua bonita voz de soprano, as crianças pequenas que saíam da escola de mãos dadas... E foi embora, em passos miúdos, calmos, completamente em paz, e sem sequer uma unica vez olhar para trás

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